Criatividade S/A, tipos de leitura, relacionamentos amorosos, desenhar todo dia, velha juventude
Recentemente, durante algumas conversas com amigas, tenho percebido delas um pessimismo em relação aos relacionamentos amorosos heterossexuais. Em simples português: tão achando difícil encontrar homem maneiro. Não estão confiantes de que isso possa rolar. Algumas trazem consigo traumas passados, outras estão simplesmente exaustas de tentar encontrar uma conexão significativa, enquanto outras simplesmente não estão interessadas.
Isso me lembrou que mais perto do finalzinho do livro O Desafio Poliamoroso, a escritora e professora Brigitte Vasallo enumera três tipos de encontros amorosos. Ela se utiliza das metáforas aquáticas inspiradas nas ideias de Bauman para definir esses três tipos.
O encontro Enxurrada é aquele que devasta tudo o que encontra pela frente e vai rumo a um mar que não sabemos se existe, mas ao qual chegamos totalmente afogados. Esses encontros costumam causar inundações em nosso emocional. E bem, as inundações não são usadas para o cultivo, mas é preciso reconhecer que limpam o terreno. O que pode ser uma boa oportunidade para recomeçar a plantar coisas. E também para entender quais são as bases que existem em nós que permanecem. Como ela diz “o surgimento de uma pessoa-enxurrada serve para destacar a fragilidade das pontes que construímos, a instabilidade das cabanas que armamos sobre nós.”
Esse encontro tem a ver com o do segundo tipo. O encontro Fluido é típico dos tempos atuais, em que tudo perde rapidamente o valor, tudo é renovável, tudo pode ser melhorado. Vasallo cita um monólogo do comediante Aziz Ansari sobre a dificuldade contemporânea de sair com um amigo para tomar uma cerveja. “É extremamente difícil alguém se comprometer a passar uma noite de sexta-feira com você. E se Elvis reaparecer vivo e for dar um show surpresa nessa mesma sexta e alguém lhe quiser dar um ingresso? Você vai perder porque já se comprometeu a tomar uma cerveja com seu amigo?” Para a pessoa-fluida sempre pode aparecer um plano/alguém melhor. Assim, o melhor é não se comprometer com nada. Importante entender que estes tempos de hiperconectividade também são tempos de hiper solidão. Vasallo volta às ilustrações aquáticas escrevendo “Para essas pessoas-fluídas tudo está sempre bom, sempre bonito. (...) como a água, elas só fluem montanha abaixo. Fluem para ter amantes, para não dar explicações, para não acompanhar dores… mas, montanha acima, ninguém flui.”
E há o encontro do tipo Canal. Pelos canais de irrigação circula água que irriga, que faz florescer, crescer o jardim, logo, que gera a vida. Não são encontros que surgem com a força das tempestades e das enxurradas (e nos inundam) e nem as chuvinhas frescas que passam fluidas e suaves (mas sem nutrir). A pessoa-canal vem, se estabelece, faz conexão, compreende o tempo, as estações de cada um, é presente e constante. É provavelmente aquela pessoa em quem você pensa em mandar mensagem quando algo de bom acontece com você.
Todos somos ou fomos qualquer uma dessas formas. Todos já iniciamos relacionamentos de todas essas maneiras. Podemos até combinar as três. Talvez perceber nos encontros que temos, quais desses tipos somos/temos, ajuda a tirar a expectativa sobre eles. A enxergá-los como são, o que podem oferecer e agregar.
De resto, a gente sai pra dançar.
📘PARA LER
No livro “Criatividade S/A”, Ed Catmull compartilha os bastidores fascinantes por trás da criação dos icônicos filmes da Pixar. Logo no início ele revela um insight crucial: os líderes criativos da Pixar perceberam a importância de dois princípios fundamentais que moldaram sua abordagem. Esses princípios não eram apenas palavras soltas, mas sim mantras que ecoavam constantemente durante as discussões.
Existem livros de força centrípeta que nos sugam para dentro das suas páginas e outros de força centrífuga que nos arremessam para fora de nós mesmos. Nenhum é melhor do que o outro, mas cada tipo é capaz de operar transformações diferentes em quem os lê.
Será que as redes sociais vão conseguir deletar de nós a capacidade de fazer nada, de se entediar, de olhar pro céu, de viver o vazio? É o que se pergunta a atriz e escritora Mayara Constantino em sua newsletter A Voz da Lua. “Seremos apenas discursos, militância, imagens? Se perdermos a capacidade de viver os pequenos e simples prazeres e as relações profundas, como seguiremos sendo artistas?”
Segundo conta Eduf, desde os anos 1980, que a cultura mainstream está baseada na compulsão. Seja por passar os dias atualizando as redes sociais, comprando coisas por impulso, respondendo rapidamente perguntas, usar fast fashion, comer fast food, etc, estamos extremamente dependentes de um vórtex cultural, o que torna até difícil de imaginar alternativas. Estamos cansados de entretenimento. Mas o que fazer pra sair disso?
Nos últimos cinco anos, a designer e ilustradora Julia Zass assumiu o desafio pessoal de desenhar todos os dias. Nesta entrevista (em inglês) ela explica como essa atividade melhorou seu trabalho artístico e sua vida em geral.
📺 PARA VER
Meu atual objeto de desejo é o livro Archive da Sofia Coppola, uma compilação de fotografias, anotações de brainstorm, colagens, referências, trechos de roteiros dos filmes da sua carreira. Aqui um vídeo dela abrindo o livro e contando algumas histórias por trás dessas imagens.
“Jovens, envelheçam”, é uma frase creditada ao Nelson Rodrigues e lembrada pela Fernanda Torres neste trecho da entrevista ao Roda Viva. “Há um culto ao jovem, essa ideia de que a juventude trará algo novo e revolucionário é da juventude. Mas a juventude também fala muita bobagem, é muito cansativa, senhora do que acha, sem saber metade das coisas. Com a idade você aprende como as coisas são relativas, como você não domina o que deseja.”
Imagina morar em um incrível abrigo construído em uma montanha a uma altura de 2.760 metros. Localizado no Monte Cristallo, na Itália, foi construído durante a Primeira Guerra Mundial. Toda vez que voltar pra casa de uma festa tem que escalar uma montanha.
O Intaglio Antique Prints and Maps tem impressões de litografias originais coloridas à mão de lojas francesas da década de 1920; o nome de cada vitrine é inspirado em títulos de livros em homenagem aos seus respectivos autores.
Às vezes assisto uma coisa só para ver a direção de arte. Ela é capaz de nos transportar para o cenário, para a época, para diversos lugares. A diretora de arte Alison Harvey revela o processo para fazer com que os ambientes da série The Crown parecessem reais e verossímeis.
Arte no Instagram
O Instagram já foi uma plataforma de exibição de arte. Em reverência aos artistas que ainda tentam usar seus perfis para publicar seus trabalhos (como eu), agora vou passar a compartilhar por aqui algumas dicas para você conhecer e seguir.
🎧 PARA OUVIR
Em determinado momento desta conversa, o psicanalista André Alves pergunta “Quando a gente vai enxergar o conflito como uma oportunidade de transformação?” Para ele, amores possíveis são amores que bancam o conflito. Este papo é sobre porque o amor está desaparecendo e as relações não se aprofundam.
Neste episódio do podcast da Rádio Novelo, o tema é viagens de descobrimento. Ou nem tanto descobrimento assim.
O produtor alemão Schneider TM atualizou o hino There Is a Light that Never Goes Out. The Light 3000 traz uma batida eletrônica, voz robótica, guitarra distorcida, pra gente voltar a dançar na pista escura desesperadamente cantando “To die by your side is such a heavenly way to die”.
O disco Holotropica da Sofie Birch soa como uma trilha sonora imaginária de algum lugar. Que lugar? Qualquer um.. Poderia se encaixar bem em qualquer tipo de ambiente sonoro. Ela cria um estado de suspensão psicodélica, trazendo cores para o gênero da ambient music.
📘 LIVRO
Os tais caquinhos - de Natércia Pontes
Duas adolescentes dividem o apartamento com o pai, um homem amoroso, idiossincrático, acumulador, pouco afeito à vida prática, que torce para que a morte venha logo lhe buscar e dá conselhos incomuns às filhas. Este é um romance de formação trágico e comovente, capaz de arrancar risos nervosos. Ao descrever o dia a dia de uma família simbiótica em meio à cordilheira de lixo que só faz crescer, Natércia Pontes desenha um fascinante retrato de três pessoas que buscam conviver com seus sonhos e suas fantasias, suas manias e seus anseios, seus medos e suas revelações.
✍🏼 FRASE
Freud tem uma frase famosa que diz "A gente só tem duas opções: amar ou adoecer". A frase destacada do texto pode ser entendida romanticamente defendendo o amor, mas o que Freud está dizendo na verdade é que a gente só tem um jeito de se livrar do excesso da gente mesmo que é através do interesse pelo outro. Amar é perder narcisismo, amar é perder ideal, amar é poder inventar alguma coisa que não existia antes com alguém... a gente pensa que vai ganhar alguma coisa com o amor e, sim, a gente ganha, mas a gente só ganha porque topa perder. Então se trata muito mais de um risco e de uma aposta do que do consumo de alguma coisa. O amor não é um objeto a ser consumido.
— Ana Suy
💾 ARQUIVO (Maio de 2022) (somente para apoiadores magníficos)
Artistas e erros, a pior pessoa do mundo, escritor e modernidade, a ilha de Bergman, nada acontece
Enquanto você lê um livro, um artigo, um post, assiste um filme, uma série, um vídeo no youtube, ouve uma música, um podcast, o que passa desapercebido é que essa coisa que você está lendo, assistindo, ouvindo, foi criada antes de você estar lendo, assistindo, ouvindo, essa coisa nasceu como uma ideia abstrata na cabeça de alguém, algumas vezes nas cabeças de muitas pessoas, e através de uma transformação brutal essa ideia foi se transformando, dia após dia numa dissolução de trabalhos, sacrifícios, tempos cheios, tempos vazios, solidões, colaborações que lhe fez se tornar no que você está lendo, assistindo, ouvindo sem a menor dificuldade, digo, acessando facilmente aí onde você está, seja lá onde esteja, na cama, no sofá, no metrô, na esteira da academia, você está aí lendo, assistindo, ouvindo e sendo informada, entretida, quem sabe até se emocionando, sem que nada disso tivesse antes passado pelas suas mãos, pelos seus olhos, pela sua cabeça, surgiu como mágica, da cabeça de alguém até a sua cabeça e bum.
que news fantástica, Gabriel! adorei as metáforas sobre os encontros amorosos (um tema que tanto me interessa tratado de forma didática porém poética :), e a curadoria de links sempre impecável 👌🏼 obrigada por compartilhar tanto conosco!
Gostei demais de ler sobre os tipos de encontros amorosos. Aqui estou cheia das reflexões. Obrigada por compartilhar :)