Se eu não me engano, a figura do gênio surgiu durante a era romântica. Você sabe, aquele artista muitas vezes solitário, outras vezes cercado de gente, inquieto, que do nada emite uma frase brilhante ou que pega um instrumento e toca deixando todo mundo em silêncio, um poeta que fala um poema e cria uma espécie de eletricidade no ar, uma espécie de super humano que flutua acima de todas as outras pessoas, que parecia simplesmente tirar grandes ideias do ar, você sabe.
O que geralmente não é dito sobre esses artistas que consideramos gênios, que foram reconhecidos como gênios, é que se você pesquisar em suas biografias vai ver que muitos deles eram cercados por uma baita rede de pessoas, de contatos, e o tempo todo estavam sendo influenciados por eles, extraindo, roubando, pegando emprestado ideias das mais diferentes fontes.
Ninguém é "gênio" do nada. Ninguém é "gênio" sozinho.
Se foi na época romântica que a figura do gênio nasceu, foi na era moderna do capitalismo que ela se estabeleceu com seus super poderes. Capas de revista elegendo "O homem do ano", "O maior empresário do blablabla", e personagens como Steve Jobs, Zuckerberg, Obama, até vencedores do BBB, eleitos como heróis. (E aqui cito tudo no masculino e dou exemplos de homens porque na maior parte da história foi assim, sabemos o por quê).
Ninguém chega em lugar algum sem o trabalho de centenas, às vezes milhares de pessoas. Ninguém escala o Everest sozinho. Quanto mais a gente troca com outras pessoas, conversa e discute, mais capacidades têm do trabalho evoluir e ser capaz de fazer coisas que por algum motivo podem ser consideradas... errr.. geniais.
Mas no fundo sabemos que isso não importa, certo? Porque a gente sabe que o que interessa não é o resultado, mas sim o processo. E durante o processo, todo "gênio" duvida de si.
📄 PARA LER
Listinha de privilégios masculinos na arte : Nesta sequência de posts publicados no Twitter, Bruna Maia questiona os aplausos dados a alguns homens ("gênios") cujas características marcantes não seriam perdoadas se fossem mulheres.
"Nowhere office", o manifesto da vida no trabalho : Entrevista com a pesquisadora Julia Hobsbawm, autora do livro "The Nowhere Office", uma espécie de manifesto ao trabalho remoto. Em determinado momento ela fala de como as mulheres, que tiveram que aprender a conciliar vida pessoal com profissional, são um farol para uma relação mais saudável com o trabalho.
Descriminalize o silêncio : Depois da pandemia, todos estamos descalibrados socialmente. Numa roda de amigos ficou fácil perceber os tipos sociais: Entertainer, Ativista, Curador, Autodepreciativo, entre outros. Eduardo Fernandes escreve um pequeno ensaio sobre os gatilhos de personalidade que são disparados na gente quando somos obrigados a participar do circo social.
O Mutante estagnado : Diversos textos abordam a questão da fissura de produtividade nos últimos tempos. Ninguém pode ficar parado. Trabalhe, faça um curso novo, academia, aprenda a fazer pão, aprenda um instrumento, se especialize em... você sabe. Neste texto, Eduardo Fernandes transplanta a questão para o desenvolvimento pessoal, citando aqueles livros de autoajuda ou sobre mudança de hábitos (você pode mudar, pode ser melhor, por se transformar, etc). Ou seja, levamos a mesma fissura de produtividade profissional para o campo pessoal.
Boa noite, boa sorte : A compra do Twitter pelo Elon Musk pode ser o derradeiro golpe contra o que sobrou da "única internet que realmente interessa: a internet dos blogs." Juliana Cunha questiona para onde vão aqueles que escrevem se tudo na internet tem se tornado memes, figurinhas, conteúdos dirigidos por bots e vídeos de dancinhas.
Um dia, você terá morrido ontem : A morte, o fim e sua vida enquanto isso. Um texto-poema, por Alex Castro.
🎧 PARA OUVIR
Arte e política num mundo em chamas : Adoro acompanhar a mente esperta e aguda do Nuno Ramos. Onde faço isso? Nos seus livros. Especialmente nos livros de ensaios onde escreve principalmente sobre arte e sua relação com os temas contemporâneos. Nuno acabou de lançar um novo livro e bate um papo esperto sobre sua escrita e seus temas. Ótimo episódio do podcast da 451, com vários momentos que renderiam horas de conversa.
Daria um livro - Francisco Bosco : O filósofo e ensaísta Francisco Bosco levanta questões que também renderiam longos papos. Aqui ele fala um pouco sobre sua relação com os livros, a importância que tiveram na sua formação, especialmente subjetiva, e a diferença entre o prazer e o gozo na leitura.
Euphoria Season 2 Official Score : Outro dia mandei aqui a trilha sonora da série Euphoria. Pois bem, acabou de sair o álbum com a trilha da segunda temporada. O rapper Labrinth continua no comando de uma batida marcada, suave e sexy, como se tivéssemos sob efeito de algo. O link vai para a música I'm Tired, um dos destaques do disco.
📽 PARA VER
Plastic Bag (voice Werner Herzog) : Um clássico contemporâneo. A história de uma sacola plástica. Escrito e dirigido por Ramin Bahrani, em 2010, tem a narração inconfundível do Werner Herzog.
A beleza da leitura : Não sei você mas acho sedutor ver uma pessoa lendo. Seja na poltrona, na beira da piscina, no metrô, quando vejo alguém lendo é como se visse um médium incorporado, aquela pessoa não está ali, embora esteja. Ela está no portal. Esse vídeo apresenta a beleza de pessoas lendo.
Fica a dica!
Beijo no abraço