A única comparação que vale a pena
Usando a sua frustração para desenvolver sua própria voz
Outro dia, estava aqui em casa desenhando com meu filho, 7 anos, na mesa de jantar. A gente tem uma brincadeira de escrever um livro juntos: ele conta a história e eu escrevo; depois eu faço os desenhos e ele pinta. A gente estava um tempo fazendo isso quando ele se aborreceu com a própria pintura. Jogou o papel fora, espalhou os lápis pela mesa e reclamou: “Eu não sei desenhar, sou burro”. Olhei para o papel, elogiei o que havia de bom, mostrei onde poderia melhorar. Mas nada adiantava, ele seguiu frustrado citando um amigo da escola que desenhava melhor do que ele.
Esta mesma cena já deve ter acontecido milhares de vezes, pode estar acontecendo agora mesmo, e provavelmente você já falou isso em algum momento da sua vida, na infância ou depois. Pessoas vão desistir de desenhar, escrever, pintar – seja o que for – porque pensam que não são boas o bastante. Mas na verdade, o mal entendido é acreditar que o talento é algo que nasce com a gente.
Aprendi com minha própria experiência que o que mais desanima em qualquer processo artístico é quando nos comparamos com os outros. Isso vai acontecer com todo artista, independentemente de seu nível. A frustração aparece quando colocamos lado a lado nossa produção e a de outra pessoa (principalmente a de quem admiramos). Só que existe um segredo que ajuda a driblar esse sentimento: a única comparação válida é com quem você era antes.
Progresso, não perfeição
Nunca me considerei desenhista ou ilustrador. Minha expressão sempre foi pelas palavras, não pelas imagens. Meus projetos tem a escrita como base. Quando tinha a idade do meu filho, eu detestava desenhar e me achava péssimo nisso. E assim se seguiu por muito tempo, eu sempre tive certeza de que o desenho não era pra mim.
A ironia é que justamente um projeto que envolve desenhos foi o que me trouxe mais alcance e reconhecimento. De repente, passei a ser visto como artista-que-desenha, embora eu saiba (e diga) que o motivo de tudo está nos textos. Assim sendo, aceitei a missão e, à medida que fui desenhando mais, aprendi mais e comecei a achar mais satisfatório o que saía no papel. Não apenas porque aprendi processos que “melhoraram” meu traço, mas, principalmente, porque aceitei o que eu era capaz de fazer.
Sei que não sou um “desenhista de verdade”, alguém que coloca o desenho como canal principal de expressão, e nem quero ser. Minhas ilustrações são complementos das palavras, das mensagens, das ideias. Entender que o essencial para mim é o texto me “libertou” para evoluir no desenho com calma, aceitando minhas falhas e limitações.
Há um tempo encontrei uma frase anotada no meu caderno (que li em algum lugar, não lembro da autoria): “Todo artista tem mil pinturas ruins dentro de si. O segredo é continuar pintando até que elas saiam.”
Serve para qualquer expressão artística que você fizer.
Persistência faz o talento
Aprender técnicas é importante, mas não se deixe enganar: o que chamamos de “dom” ou “talento” ou “intuitivo” em artistas experientes também foi, em algum momento, ensinado. Composição, escolha de temas, criação de atmosferas — tudo isso se aprende, não é um saber místico que vem de algum lugar misterioso. Seremos tão bons quanto o esforço que colocarmos e quanto soubermos apreciar o processo.
Se você acha que já passou da hora de começar, o que eu digo é: o tempo vai passar de qualquer forma, então, daqui a dez anos você prefere ter uma habilidade desenvolvida ou o arrependimento de não ter tentado? A resposta para essa pergunta vai definir seu caminho.
Se você sente vontade de criar, use suas referências como inspiração e não como comparação. Não espere perfeição. Nem almeje isso. Você não precisa ser genial; basta encontrar prazer no desafio de transformar a ideia em realidade.
Neste dia eu disse ao meu filho: aceite que o resultado nunca vai ser exatamente como você imagina, mas, com prática, chegará cada vez mais perto. E você vai se surpreender quando começar a gostar mais do que fez do que o que tinha projetado mentalmente.
No fim, não é sobre ser melhor que alguém, e sim sobre ser melhor do que você era ontem. É progresso, não perfeição. É continuar pintando até que as mil pinturas ruins saiam e, com elas, surja a sua própria voz e estilo.
Sincronicidade total ler esse texto agora, que estou tirando tantos projetos do papel como uma iniciante em todos eles. Inclusive, um é justamente começar uma newsletter. Obrigada pela partilha ;)
que belo ensinamento! às vezes, é difícil a gente não se comparar ao vizinho e achar que a grama dele é sempre mais verde, esquecendo até mesmo de regar a nossa…